A JORNADA DE ROBIN:

Bloco 14 - "Clay"

Capítulo 38 - A piada dos 0,001%

Sem luz, sem escuridão, sem calor, sem frio, sem nada; essa é a definição mais precisa que encontrei para descrever o local em que estava, aquele misto de nada com nada. Vaguei pela imensidão do espaço para ver se achava algo ou alguém, e eventualmente cheguei em um ponto distinto, uma parada de ônibus, onde havia uma mínima iluminação e alguém esperando por mim. Sentado no banco, sua face ainda estava escondida pelo jornal quando me pediu para sentar.

Ao me aproximar, fiquei momentaneamente cego pelas correntes e anéis de ouro do homem, assim como pelo seu reluzente relógio, e tapei meus olhos instintivamente. Ao abri-los, o encontrei na minha frente, com seus cabelos longos e loiros, e um sorriso que revelava seus dentes dourados. Usava também um grande chapéu roxo e vestia um luxuoso casaco de peles.

— Estava esperando.

— Justamente o que faltava; uma aberração.

O homem deu um pequeno grito e soltou-se para trás, como se tivesse sido atingido pelas minhas palavras.

— Você não devia ofender as pessoas desse jeito, sabe?

— Pretende dizer suas intenções ainda hoje ou precisa de uma platéia para acompanhar seu show?

— Certo, certo — pegou uma bengala e apoiou-se sobre ela —. Você já conheceu o Terry, não é?

Permaneci calado, decidindo ouvir o que ele teria a dizer.

— Temo dizer que não é só com as consequências do contrato que tem que se preocupar; há muita gente por aí, escolhidos ou não, que não vão ser tão amigáveis quanto Train daqui para frente.

Se Train se enquadra na categoria de amigável, levando em conta como nos conhecemos, eu realmente me preocupei. Mas como ele sabia dele?

— O que há com esse olhar de desconfiança? Parece até que já se esqueceu de mim... — fitou-me intrigado por alguns instantes e concluiu. — Ah, entendi, aquele velho agiu antes.

Ainda mais confuso, esperei alguma explicação.

— Robin, qual é o meu nome?

— Uma charada? Não estou com paciência para isso agora, desculpe.

— Então você realmente não se lembra de nada, não é?

Embora suspeito, aquele homem estava relacionado com meu passado, sem dúvidas.

— Robin, se vier comigo poderemos salvar o mundo novamente, como há um ano — estendeu seu braço —. Eu vou revelar seu passado e abrir as portas do seu glorioso futuro, no topo do mundo.

— Posso não saber quem é minha mãe — dei alguns passos para trás —, mas estou certo de que ela me ensinou a não me envolver com estranhos. Principalmente estranhos como você.

— Foi ensinado bem, mas vai recusar a chance de salvar o mundo?

— O mundo não precisa ser salvo. Do que está falando?

— De pessoas como o Terry ou tolos bossais como aqueles que estavam te perseguindo. São todos tolos indignos. Estou selecionando os melhores e mais capazes para habitarem no meu novo mundo e eliminando as impurezas que podem contaminá-lo.

— Deixe-me ver se entendi: entre o imenso mar de pessoas que habitam no planeta, você está escolhendo quais delas são as mais adequadas e exterminando em massa os que não forem bons o suficiente para criar um novo mundo que você vai governar? E quer minha ajuda?

— Você faz parecer um tanto ruim, mas basicamente sim.

Tentei segurar, mas cedi; ri, e gargalhei, e rolei, e chorei, e esperneei. Só a ideia de dominação mundial foi o suficiente para animar meu dia, mas foi o modo detallhado com que ele expôs seus planos mirabulosamente idiotas logo em seguida que quase me matou de rir. Insistiu, discorrendo sobre os favores que fazia ao mundo e afirmando que o extermínio não seria nada demais, uma vez que o número de pessoas que iriam perecer não representariam nem 0,001% do universo.

— Espere, eu insisto — pedi com minhas mãos sobre a barriga, que doía de tantas gargalhadas —, pare de contar piadas, por favor.

— Um ano se passou e você ainda consegue me magoar como ninguém.

Nesse momento, o chão se iluminou, com uma luz ainda mais clara do que a refletida pelos acessórios dourados do piadista.

— Depois do que eu vou te mostrar, com certeza vai aderir à minha causa, Robin.

Capítulo 39 - "O mundo como está"

Em um bosque magnífico, habitado por várias espécies diferentes de Pokémons, a harmonia e a beleza do local é interrompida por um tumulto repentino. Homens com trajes militares surgem e acabam com a paz; caçam e prendem os Pokémons, não se importando com o ambiente ao seu redor, e declaram aquele território como deles. A ação toda dá-se rapida e organizadamente, mas isso não torna a cena menos dramática.

Parecia uma daquelas propagandas de televisão denunciando a violência do homem contra a natureza, mas era real demais. Junto comigo, o estranho de antes observava de longe a cena. Embora sentisse ser uma situação verídica, notei que minha presença pouco ou nada afetava, era como se fossêmos meros fantasmas. O tempo passava em ritmo bem mais acelerado, pouco se importando com a nossa presença.

Alguns segundos depois, o que deveria ser equivalente a algumas horas, o bosque voltou a ser perturbado com o surgimento de um novo grupo, de aparência tão ruim quanto os anteriores. Usando os Pokémons para pouparem-se, os homens dos dois bandos seguiram batalhando e avançando pelo bosque, até que decidiram partir em ofensiva com força total. Chutes, e socos, e correntes de ferro, e bastões, e cutuveladas, e empurrões; eram os únicos elementos perceptíveis na confusão. Nada nem ninguém se destacava, era apenas uma multidão enfurecida.

O conflito cessou-se por alguns instantes, tempo que os homens de trajes militares usaram para encontrarem uma conveniente casinha por perto. O fato de haver uma família habitando-a não atrapalhava a conveniência, uma vez que houve poucos problemas para expulsá-la. Por sorte — ao menos foi o que eu pensei — as justas e heróicas autoridades locais surpreenderam os invasores, os outros arruaceiros, e no embalo, os invadidos também foram envolvidos.

Exatamente por não pertencerem a nenhum dos lados, a família viu-se no meio de tudo, sendo tomada pelo caos e medo. Aquele que parecia ser o pai, inspirado, tentou conter a bagunça com um grandioso e ensurdecedor grito. Ou ao menos parecia bem alto, não conseguia ouvir uma palvra sequer. De qualquer forma, a tentativa foi frustrada e os inocentes foram cercados de todos os lados.

Mesmo nesse clima, uma única pessoa conseguiu chamar minha atenção; uma garotinha sentada no chão, segurando com força uma boneca de pano desfigurada e trajando um vestido negro, com cabelos longos e igualmente negros que cobriam-lhe a face e lhe dava uma expressão sombria. Sem mover um músculo, a pequena observou os outros tentando desesperadamente fugir; não unidos, mas cada um por si. Prestes a ser atingida por um ataque Pokémon, levantou-se e ergueu seus braços, seguido por uma brilhante luz, que abrangeu uma área gigantesca.

Ao abrir meus olhos, encontrava-me novamente na dimensão escura e sem vida de antes. A diferença era que agora o sujeito de antes estava com um guarda-chuva colorido nas mãos. Não me pergunte.

— Então, o que achou? — perguntou-me euforicamente.

— Um tanto apelativo demais. E mesmo se tratando de uma ficção, não acha que deveria tentar simular um pouco mais da realidade?

— Robin, nada do que eu mostrei foi fictício. Tanto o crime organizado quanto os grupos de criminosos estão crescendo; as autoridades, inconformadas, apelam à violência sem se importarem com as consequências; consequentemente, mais e mais escolhidos vão surgindo, com o dever de salvar o mundo. A garotinha de antes, por exemplo.

Continuei cético e fiquei fitando-o por um tempo, à fim de tentar desbancá-lo. Se perguntasse o porquê de eu não ter ouvido nada sobre isso, provavelmente ele diria que aquilo estava acontecendo nesse exato momento.

— Ah, não entenda mal, Robin — interrompeu meus pensamentos —. O que eu te mostrei já aconteceu sim, há onze anos. Aliás, a garota está mais próxima de você do que imagina; devem reencontrar-se em breve.

Cansado e sem paciência, tentei voltar para a realidade, mas logo vi que estava preso. Preso dentro de minha própria mente. Geralmente seria algo bem profundo, se não fosse no sentido literal. Aproveitei a ocasião para perguntar algo que vinha me incomodando desde que comecei a conversar com o homem.

— Tanto Train quanto você parecem conhecer bastante sobre essa maldição...

— Dom, Robin — interrompeu.

— Por conveniência, digamos "dom" então. Como é possível você saber tanto, e eu, só o que me foi dito?

— Adoraria esclarecer tudo, mas tenho outros compromissos — começou a andar em direção ao ponto de ônibus, enquanto eu o seguia —. Robin, o mundo não é feito de bondade nem de escolhidos como nós; muitos não me entendem. Não posso revelar meus segredos a qualquer um, nem confiar em qualquer pessoa, e logo entenderá que não poderá fazer o mesmo.

Sentou-se e refletiu calmamente, acariciando seu ouro. Sacou algumas moedas do bolso e prosseguiu o discurso:

— Você pode ter amigos agora, mas eles não vão o ser por muito tempo. Vai ser traído e nem mesmo seu dom vai conseguir te salvar; é aí que vai enxergar o mundo como está. Vou te dar sete dias; sete dias para se decidir, sete dias para se despedir, sete dias para refletir. Se no final ainda for capaz de dizer não, eu deixo de insistir.

— Parece um trato justo o bastante.

O ônibus apareceu, parando ao chegar no ponto de ônibus. O homem alegremente subiu à bordo e deixou seu guarda-chuva no banco. Despediu-se e seguiu rumo ao nada. Peguei o item e desembrulei o papel grudado nele. "Com carinho, Clay".